quinta-feira, 25 de junho de 2009

Jorge Jesus e as gaffes...'Foi-se inventando um bocadinho'...

Nesta entrevista a A BOLA, Jesus recusa alguns pontapés na gramática que lhe atribuem, prefere dar mais atenção à ciência do futebol. Tanto que em 20 anos só tirou férias uma vez.

— Há alguns anos dizia-se que você não podia ser treinador de um grande porque não tinha discurso e até brincavam consigo pelos chamados pontapés na gramática. Como é que sempre encarou tudo isso?
— Foi-se inventando um bocadinho, as coisas não são bem como as pessoas dizem. O importante é que o meu discurso seja direccionado à ciência do futebol. Foi para isso que me preparei. Na escola estudei até ao quinto ano e lembro-me perfeitamente porque razão o meu pai me proibiu de estudar. Eu era trabalhador- estudante, trabalhava como soldador na Celcat e estudava à noite. Além disso jogava futebol no Sporting. Um dia cheguei a casa, às onze e tal da noite, estava a jantar e lembro-me perfeitamente que adormeci à mesa e a minha cabeça caiu dentro do prato da sopa. O meu pai chamou-me e disse-me para escolher entre os estudos, o trabalho e o futebol. Só podia escolher um caminho. Eu disse-lhe que queria ser profissional de futebol, que era a minha grande paixão. A partir dali deixei de trabalhar e de estudar e segui a carreira nos juniores do Sporting. Na altura ganhava 750 escudos, já ganhava mais do que o meu pai. Quanto ao discurso inventa-se um bocadinho, há coisas que dizem que eu disse mas que não são verdade. Lembro-me realmente de uma frase em que disse que queria contemplar os motocards da Amadora, em vez de dizer motards ou outra expressão de calão que eles também utilizam, que é motoqueiros. O resto é tudo inventado. É mentira que eu tenha dito forno interno em vez de foro interno. Então não sei o que é foro e forno? Isso é invenção pura. E houve mais...
— Nunca se sentiu diminuído então?
— Nunca. Aquilo que eu estudo é o futebol. Claro que tenho de ter um pouco de cultura geral, mas discurso não é percurso. E jogo falado é uma coisa, jogo treinado é outra e jogo jogado é outra ainda. O importante é conhecer o jogo e ter um discurso que os jogadores entendam, porque eles não estão a tirar um curso académico. O curso académica que estão a tirar chama-se futebol e as disciplinas são disciplinas de jogo, não sou disciplinas de um português muito evoluído, senão também não percebem nada do que eu digo.

Bicho-do-mato

— É um homem de superstições?
— Não, sou um homem de convicções. Acredito muito nas pessoas que trabalham comigo e principalmente acredito muito me mim.
— Mas dizem que não gosta de sentar-se à mesa com 13 pessoas.
— Não, pelo contrário. Até gosto do número 13, é o número da ceia de Jesus e eu também sou Jesus de nome.
— E é um homem religioso?
— Não sou praticante mas sou um homem de fé.
— O que faz o Jorge Jesus quando não está a trabalhar?
— Sou um bicho do mato e a minha família sofre muito comigo. Em 20 anos de carreira de treinador só fui uma vez de férias. Não vou para lado nenhum, passo os meus dias em casa e privilegio muito a relação com os meus amigos. Nunca fui pessoa de me expor muito, já era assim e não precisarei de mudar só por ser treinador do Benfica. Nas horas livres gosto de me distrair com os amigos: jogar às cartas, fazer um futsal, almoçar, falar de futebol... Mas sempre num grupo restrito.
— Nunca se consegue desligar do futebol?
— Não, não consigo.
— Gosta do futebol italiano, argentino e brasileiro, certo?
— Correcto. Para mim o jogador ideal teria a técnica do jogador brasileiro, a leitura táctica do jogador italiano e as ganas do jogador argentino, que é muito competitivo e com grande espírito de sacrifício.
— Quais os melhores jogadores do mundo actualmente?
— Sem estabelecer uma ordem, penso que são Messi, Ronaldo e Kaká. Há uma diferença entre bons e grandes jogadores. Os bons jogam sempre bem, os grandes jogam sempre bem e ainda metem os outros a jogar. O Messi, o Ronaldo e o Messi jogam sempre bem e metem os outros a jogar ainda melhor.

Paula Rego

— Ficou célebre a sua comparação com Paula Rego numa entrevista [«O treinador é como um pintor. Quando a Paula Rego descreve um quadro que pintou, só ela é que está a ver aquilo. Eu sou como a Paula Rego...», em entrevista ao DN]
— Falei da Paula Rego porque o treinador é um pouco como o pintor. Quando se pinta, cria-se. A tua expressão na pintura é que vai caracterizar o teu sentimento. Com o treinador é a mesma coisa: quando trabalho faço-o com sentimento, estou a criar. A minha metodologia de treinos não tem nada a ver com livros, sou eu que a crio. Os meus jogadores trabalham com treinos criados por mim ao longo de 20 anos. Naquela altura a Paula Rego estava a pintar um quadro cuja figura se chamava Maria Elisa, o nome da minha mãe. E ela dizia que a Maria Elisa estava a chorar. Ao olhar para o quadro pensei: mas será que só ela é que vê que a Maria Elisa está a chorar? Ou seja, quis dizer que o treinador é como um pintor: só ele sabe ver o que pinta, só ele consegue sentir o sentimento que está no quadro.

entrevista a Jorge Jesus....